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Movimentando-se

Antigos passageiros, novo vendedor e novos consumidores

 

Necessidade e espírito inventivo dos paulistanos dão novo significado ao metrô da cidade

EDILSON SALGUEIRO JÚNIOR

“Estação República. Desembarque pelo lado direito.” O aviso do maquinista prenuncia o entra e sai de pessoas de um dos vagões do metrô de São Paulo. Após um breve período de disputa por lugares, os passageiros se acomodam nos mais exíguos espaços que restam. O relógio marca 12:00h, um dos horários de pico. Então, o estridente apito de segurança do metrô sinaliza que as portas serão fechadas. A viagem segue.

 

Alguns cidadãos preferem ouvir músicas pelo fone de ouvido – os mais efusivos simulam tocar bateria enquanto fazem gestos com as mãos. Outros fixam os olhos no celular e teclam centenas de vezes sobre a tela. A velocidade com que fazem isso é inquietante.

 

Entre uma estação e outra surge um jovem franzino, de pele clara e cabelos escuros – bem espetados. Está vestido com uniforme não-oficial: um conjunto de moletom preto e um tênis de corrida verde fluorescente. Ele observa atentamente todo o vagão; quando confirma que não há nenhum segurança do metrô por ali, enche o peito de ar e esboça um sorriso. Então, caminha de modo gingado para o centro do vagão e tira de sua pequena bolsa de couro uma barra de chocolate com embalagem vermelha. Num tom de voz alto, capaz de despertar tanto os passageiros que ouvem músicas pelo fone de ouvido quanto os que se entretêm nos celulares, o jovem anuncia seu produto:

 

– Pessoal, boa tarde! Desculpem atrapalhar a viagem de vocês, mas é por um bom motivo: esse é o melhor chocolate de todos! Ele desmancha na boca, de tão saboroso que é! Nos supermercados, o preço dele é R$5. Na minha mão custa apenas R$3.

 

As frases são ditas repetidas vezes. Pequenos intervalos de silêncio são o suficiente para o jovem respirar antes de retomar a fala. A maioria das pessoas, passado o momento de susto que as fizeram prestar atenção no vendedor de chocolates, desviam o olhar e retomam suas atividades.

 

Uma senhora de cabelo prateado solicita os serviços do rapaz. Tenta chamá-lo algumas vezes, mas a voz suave de uma vida quase centenária é ocultada pelo ruído dos trilhos e pelo tagarelar dos imberbes. Ela consegue chamar a atenção do vendedor após quatro tentativas, mas não pela fala – o tremular de sua bengala é mais eficiente. “Deus te abençoe, senhora”, de um lado; “Deus te abençoe, meu filho”, de outro. Cada venda ou recusa são seguidas de uma bênção.

 

A proximidade da estação seguinte faz o peito do jovem murchar e o gingado desaparecer junto com o sorriso. Momentaneamente, o vendedor volta a ser um passageiro. O comércio no metrô é proibido pela administração pública, e em pleno 2016 o jovem não quer ser o Winston Smith de 1984.

 

“Estação Anhangabaú. Desembarque pelo lado esquerdo.” Cabeça para fora do vagão, olhos atentos à procura de um uniforme – agora, oficial: o dos seguranças do metrô. Nada é encontrado. Então, o peito volta a encher em companhia do gingado e do sorriso. Ele caminha para o vagão ao lado e anuncia seu produto:

 

– Pessoal, boa tarde! Desculpem atrapalhar a viagem de vocês, mas é por um bom motivo: esse é o melhor chocolate de todos! Ele desmancha na boca, de tão saboroso que é! Nos supermercados, o preço dele é R$5. Na minha mão custa apenas R$3...

O se transportar hoje em dia

 

MARIA EDUARDA WEBSTER

 

Antes Marcelo levantava, tomava seu café da manhã e se preparava para administrar suas duas lojas de suplemento. Pegava o carro, se irritava com o trânsito no trajeto de sempre, chegava e fazia suas funções do dia e só iria pensar no carro quando o pegasse de volta para a casa na hora do rush. Cleber colocava sua gravata e saia para trabalhar como corretor em uma rede de edifícios todos próximos uns dos outros, também deixando seu carro no trabalho e passava o dia andando pelo bairro mostrando apartamentos para seus clientes. José Luiz é jornalista e trabalhava em uma gráfica na semana e o carro ficava com sua esposa para os afazeres do dia a dia como supermercado e etc. Junior trabalhava de casa mesmo, e o carro servia só para os fins de semana. Agora, Marcelo comprou uma almofadinha para o assento do seu carro; “Costumava trabalhar me movimentando” explica. Cleber baixou o aplicativo Waze de trânsito e José Luiz e Junior nunca tiveram tanto contato com seus carros. O aplicativo apita e eles aceitam a "corrida", é a geração dos trabalhadores que migraram para o serviço Uber, de transporte. Eles vêm de diferentes meios e vivências, diferentes classes sociais e muitos pela necessidade se viram saindo de seus empregos e virando motoristas do Uber. Cleber conta que mal saia de um eixo básico de três bairros; “O meu e os dois do trabalho” e agora afirma que já se viu andando por São Paulo inteira, uma afirmação ousada já que a cidade comprime 1 522,986 km² de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Nunca vi São Paulo do jeito que estou vendo agora” e José Luiz complementa “Nunca fui tanto para o aeroporto de Guarulhos sem ter nenhuma viagem programada” Mesmo sabendo que São Paulo é uma das maiores cidades globais as pessoas sempre acabam isoladas em seus próprios bairros. Quem conhecemos que afirma que anda por mais de dez bairros de São Paulo no dia a dia? Acaba-se criando um núcleo de ambiente fechado de rotina e isso influencia na forma que nos comunicamos com e conhecemos a cidade.

Desde que o homem começou a formar sociedades o meio de transporte existe e a relação com o meio ambiente evoluiu junto com estes. Desde andar a pé até a invenção da roda e a chegada da revolução industrial que trouxe novas tecnologias. O Brasil mesmo foi pensado como um país para se utilizar carros, sendo investido muito mais dinheiro em grandes rodovias do que em transportes públicos coletivos. Estamos acostumados a ver carros enormes e apenas uma pessoa solitária ocupando-os, em um espaço aonde caberiam muito mais. Este experimento foi feito em Munique, em 2001 com um pôster do departamento de transito aonde mostravam o espaço que sessenta pessoas ocupam no trânsito e a diferença dos carros para um único ônibus ou o pequeno espaço ocupado por bicicletas é gritante.

Em uma matéria para o Deutsche Welle em 2013, o doutor em sociologia urbana da Universidade Técnica de Berlim, Martin Gegner fala sobre essa cultura automobilística no país. “O Brasil ainda vive a influência do ideal modernista de urbanismo, em que as cidades são planejadas em função do carro, com prédios e garagens grandes, com bairros ligados por grandes vias rodoviárias. O grande exemplo disso é Brasília”, diz Gegner. A cultura do automóvel no Brasil ainda é muito forte. É o que chamamos de "egomóvel", porque não é funcional, é mais um símbolo de status”, defende. 

O professor critica ainda a mentalidade da classe política, que, segundo ele, associa o transporte público às classes baixas, focando apenas no preço, sem oferecer qualidade no serviço. “Na visão dos políticos brasileiros, menos de cinco pessoas por metro quadrado significa que a linha está subutilizada. Isso é um absurdo”, protesta. Ele diz que é preciso tornar o transporte coletivo mais confortável, o que aumentaria a aceitação entre as classes altas.

Por mais que o uber seja um serviço privado, ou seja você precisa pagar para utiliza-lo, ele traz uma noção maior de sharing pois é um carro a menos na rua sendo usado e isso só aumentou com a chegada do uber pool, um serviço de compartilhamento aonde até quatro pessoas podem dividir o carro pagando uma taxa única (e geralmente mais em conta) e isso muda totalmente a relação do paulistano com o meio de transporte. Após um governo de políticas publicas que visaram uma atenção maior para os transportes públicos em São Paulo por meio do político Haddad do PT, não é de se suspeitar que a noção de transporte esteja mudando na maior capital do Brasil.

Desde que Haddad assumiu a Prefeitura de São Paulo em janeiro de 2013, a cidade ganhou 416,2 quilômetros de faixas exclusivas de ônibus. Em 2012, o total de pistas era de 90 quilômetros. A medida possibilitou o aumento da velocidade dos coletivos em 46%, reduzindo o tempo de viagem dos passageiros, segundo estudos da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) e da SPTrans (São Paulo Transporte). Em 2015, os ônibus atingiram uma velocidade média acima dos 20 km/h. “O Metrô, que é estadual, continua na mesma marcha, que é de um quilômetro por ano, e o ônibus ganhou público, velocidade e qualidade”, explicou.

Apesar de ver-se muitas vantagens nestas mudanças, grande parte da população ainda a rejeita e isso tem relação direta com a fala do sociólogo Martin Gegner de que o "egomóvel" está diretamente ligado a sua demonstração de poder aquisitivo mas em lentos passos vem havendo esta mudança de conceito. As pessoas querem estar mais nas ruas, querem dividir mais, mesmo que inicialmente o maior incentivo de um transporte desses seja o preço (como é o caso do Uber Pool) O automóvel acaba sendo algo muito introspectivo e como humanos queremos e devemos procurar uma formação de laços maiores. Cleber conta como aceitou uma corrida um dia e era uma senhora que ia para um almoço em família. O filho havia pedido o Uber. Na volta, a senhora queria voltar com Cleber e como o Uber não disponibiliza a opção de poder contatar quem você quiser, o filho ligou e afirmou ter esquecido algo no carro para conseguir as informações e entrar em contato com Cleber novamente, que levou-a para casa. É uma narrativa de proximidade, de ligação, de se criar laços dentro de algo que ocupa e muito nosso dia-dia em uma cidade do tamanho de São Paulo. Seja em corredores de ônibus, compartilhando o mesmo pool, usando o mesmo espaço, estamos retomando uma parte enorme da nossa rotina e ressignificando o que significa se transportar, muito além do ir de um ponto A ao B.
 

A transformação do transporte público

 

FELIPE TABOADA

 

O comércio nos transportes públicos de SP tiveram um grande aumento em 2016. A prática ilegal transforma os trens e ônibus da capital em um grande mercado de variedades. Segundo os dados divulgados pela CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), nos primeiros oito meses deste ano, houve um aumento de 45% de apreensões de mercadorias vendidas ilegalmente dentro do transporte público. Isso resultou em 38.447 produtos dos mais variados tipos, os ambulantes vendem doces, fones de ouvido, guarda-chuva, salgadinhos, carteira para documentos e até guia para vestibulares.

Vendedores ambulantes em transportes públicos não é novidade, mas a transformação que eles causaram nos últimos anos nos trens da capital é algo curioso a ser estudado. O transporte público em São Paulo deixou de ser um serviço especializado em viagens metropolitanas e, pela ação dos vendedores, se transformou em uma extensão da rua 25 de Março.

As consequências disso se dão com o tempo; Silvana Martins, 63, é uma contadora aposentada e revela que não consegue ter sossego ao andar de trem. Ela diz: “Antigamente era diferente, era mais tranquilo, hoje em dia o transporte é um caos, muito barulho por causa desses vendedores que nem pagam imposto”. O impacto para Silvana foi negativo, ela acha que o transporte era melhor na época em que não existiam muitos vendedores, pois hoje em dia se tornou impossível andar de trem ou metrô e não ser surpreendido por um vendedor de doces.

Silvana somente anda de trem aos finais de semana, pela linha Diamante, que liga a estação Júlio Prestes, na Santa Ifigênia, à estação Itapevi. Esta linha concentra um grande foco de vendedores ambulantes, pois os trens que nela transitam possuem ligação entre os vagões, os ambulantes fazem as vendas pelo trem todo, do primeiro ao último vagão.

    

Nesta linha, os vendedores já sabem como funciona a ação dos Policiais Ferroviários. Cidinho, vendedor de fone de ouvido, 19, conta que na estação Lapa sempre há uma concentração de guardas, prontos para apreender sua mercadoria. Ao perguntar sobre o produto, Cidinho explica sua tática: “Cara, não tem propaganda melhor do que um preço baixo. Eu vendo fone de ouvido da Samsung, na loja o preço é 25 ‘conto’, eu tenho um contato que me passa o fone por R$5,00 e eu vendo a R$10,00”.

Além de um preço baixo, os vendedores também usam de táticas persuasivas em seu discurso. Usando frases prontas para descontrair, o comércio começa quando a porta do trem se fecha. Cidinho diz que trabalha junto com um amigo, que entra primeiro no vagão e avisa caso haja algum guarda no interior do trem. Essa prática diminui o risco de perder toda a mercadoria para os funcionários da CPTM.

Indesejável

 

ELOISA LISBOA

Monstro de concreto

Barulhento e cinzento

Na selva de pedra

 

Entre sujeira e ruídos

Que invadem a sala de estar

Sem bater, nem perguntar

 

Barulhos que se misturam

E calam

Paredes que falham

 

Beirando o caos

A poluição

A presença e a solidão

Quem te tem por perto

Te odeia e lastima

Sim, você, obra malufista

 

A cidade

Que de carros

Já tem aos montes

 

Trouxe com você

Mais quatros pistas

De mão única

 

Trazem apenas irritação

A quem já muito mal vive

Em incômoda situação

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